março 29, 2007

Luz

Luz ténue, imagem desfocada e rasto de incerteza,
Farol distante para que não choque,
Lanterna intermitente de inquietude.
É invisível a beleza!
Escureceu para que se não toque,
Para que se não altere ou mude
Quando nasce o dia?
De sombra em sombra,
Arrasta vontade e fantasia.
Já naufragou no intervalo do farol,
Na névoa da indecisão,
No apagar da lanterna impaciente
Sem raio de Sol,
Não ilusão,
Estado dormente.
Afundou no mar da tranquilidade
Não da Lua, do interior
Longe da não verdade
Da noite sem calor.
Luz de presença
Da minha ausência.

adc

março 22, 2007

Paisagem

A espuma das ondas rola na areia
em flocos leves de algodão que se desvanecem.
O vento insiste num assobio constante,
tudo em seu redor se despenteia.
A areia imita um nevoeiro intenso
numa tempestade brilhante.
As dunas vão decerto se mover.

A gaivota paira no mesmo espaço sem horários a cumprir.
O Sol intenso aclara o gelado entardecer.
As ondas sucedem-se em desalinho, despenteadas, num tom esverdeado
parecem indecisas em chegar à praia.

adc

março 18, 2007

Podes crer sem motivo?
Não creio, somente sobrevivo...
Ou não?!
Podes acreditar sem razão?
Foge o entendimento
Do que vive fora do coração.
Podes recear sem causa?
Com ou sem questão
Caminho a controlar, evitar.
Podes confiar sem porquê?
Cativando, hipotecando o viver
Ou...
Cativando e fascinando o olhar.

adc

março 11, 2007

Entre meio

Entre nós
há tu, eu,
luz, olhar,
há pequenos nós
que se entrelaçam e desatam.
Entre, no meio
o que escureceu,
o que ficou para dar,
há todo o espaço
para o que faço e não faço.

adc

março 07, 2007

Escreve-me

Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!

"Amo-te!" Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então... brandas... serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...

Florbela Espanca

março 05, 2007

Ainda que mal


Ainda que mal pergunte,

ainda que mal respondas;
ainda que mal te entendas,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda, assim, pergunto:
me amas?
E me queimando em teu seio,
me salvo e me dano...... de amor.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE