setembro 21, 2007

Ensaio à volta da espera 4


Estático, na sala de espera, aguardando a felicidade... grandes eventos, fortuna, euforia.
Aguarda por outros que esperam como tu, adiando o sorriso, a lágrima, a paz, a dor. Espera que alguém por ti sinta e viva, chore e ria.
Espera para ir ou para voltar, sorrir, luz, calor, amar.
Espera pela companhia... homens e mulheres esperam por ti, por mim, por eles. Aguardam os hábitos, costumes, amarrados a rotinas que esperam que terminem.
Na sala de triagem, acredita que serás o escolhido pela sorte, pelo acaso, pelos teus lindos olhos para usufruir melhor do que os restantes, desta viagem.
Espera pelo bem-estar, paz interior, saúde, descansar. Que o tempo se mova cá fora, quando devia mover-se lá dentro.
Na antecâmara da vida, espera sem a sentir.
Espera, espera que "melhores dias hão-de vir".
Na sala de espera, no banco de jardim, no café da esquina, acredita na alma gémea, no grande amor.
Que a noite se acabe e o sol aqueça.
Aguarda a saúde, ausência física e psicológica de dor.
À janela entreaberta, de cortinas mimosas e seguras, o coração palpitante. Um vaso florido a completar o quadro, espera pelo amor, amante.

adc

setembro 17, 2007

Ensaio à volta da espera 3




... sem decisões que nos limitem, que nos definam, que nos enlacem.
Na sala de espera desfaleço aos poucos. Esforço-me por manter os olhos abertos, espero que não reparem na minha sonolência, ausência... Esforço-me por manter os ouvidos atentos, quero ouvir o meu número, o meu nome, a minha vez...
Depois, espero não ter que esperar mais, espero que não demore, espero que a notícia seja a melhor.
Constantes esperas na totalidade da vida!
Bastam nove meses de espera que já de si terão de ser bem vividos, plenamente sentidos, desejados, queridos.
Jamais se espera pelo final, nunca se espera pelos momentos de impasse, espera. Porém tudo se pode esperar!
Espera que o resultado seja o melhor possível.
Que saia a palavra mais esperta.
Aguarda que te olhem, mais uma vez.
Que toque a música certa.
Espera voltar atrás e saltar para o momento à frente.
Que o telefone toque e treme a cada onomatopeia.
Aguarda toda a gente.
Que os outros ganhem para sentir a sua alegria.
Espera pela inspiração que tem feitio próprio, de teimosia, raridade e te escorre por entre os dedos como areia.

adc

setembro 14, 2007

Ensaio à volta da espera 2

Entretém-te a observar a humidade da parede rosa desmaiado;
o tecto falso, que não mente, meio desmontado;
a janela de madeira com a tinta lacada a saltar;
os tubos do aquecimento arrancados que parecem ter mudado de ideias...
Há cadeiras vazias e personagens de pé, porque nem sempre aproveitamos o que a vida nos oferece.
Telefones teimam em tocar, na recepção. Conta os toques, ouve disfarçadamente a conversa, sem intenções de a memorizar.
Os segundos forçam os minutos.
Cruza e volta a cruzar as pernas, em grito silencioso de situação incómoda de espera, de ansiedade. Aguarda, aguarda, calma, paciência... Inventa assunto no teu monólogo interior. Lê os cartazes afixados: "- Suporte básico de vida."
A espera parece-me também um suporte básico de vida! Passamos a vida à espera que tudo aconteça.
Todas as manobras simples de socorro, das quais nunca te lembras...
Ouve o ranger das portas.
Há encontros de pessoas que afinal se conhecem... frequentadores assíduos da recepção e sala de espera.
O tilintar dos instrumentos nas salas onde não entras, espaços da vida que te estão vedados.
Passos das solas de borracha no piso de linóleo abanam suavemente o teu pensamento.
"- Já está...!"
Saímos apressadamente como se tivessemos atingido a nossa meta. Quase corremos para logo sentar ao portão, em companhia da dor, da incerteza, angústia, irritação...
Preferimos, a maior parte das vezes, continuar na sala de espera anos a fio sem grandes decisões...

adc

setembro 13, 2007

Ensaio à volta da espera 1

Tal qual aranha na teia... aguarda-se...

Uns partem, outros chegam.
Vidas, perfis, caminhos vários, assim como a sua aparência, cor de cabelo, inclinação do nariz...


Têm conversas de conteúdo diverso: viagens, transportes, saúde, futuro e silêncios de conteúdos distintos.
Olhares que se evitam por não se conhecerem, por nem quererem conhecer-se.


Como passa o tempo na sala de espera?
Lê-se o jornal, a revista feminina, desloca-se à máquina de café (muito açúcar, pouco açúcar e sem açúcar não?!). Atenção à chamada na coluna de som ou directamente pelo técnico de serviço. Espreita-se à janela, fala-se dos minutos de atraso.
Na sala de espera, as expressões são de apreensão, impaciência, inquietação, (sala de) desespero.

Os minutos passam. Alguns sorrisos registam-se pelo término da espera dos acompanhantes , pelo final do exame do enfermo ou pela chegada da sua vez.

Pouco a pouco a sala de espera esvazia-se... Ainda há braços apoiados à espera, pernas cruzadas, pés que abanam, passos que se repetem no corredor.
Pouco a pouco os estômagos também se esvaziam!


Mais conversas de circunstância vão preenchendo sem sucesso a demora.

Entretém-te a observar o espaço, tal qual aranha na teia... pacientemente até capturar a alma das personagens, o espírito da sala de espera...

adc

setembro 09, 2007

Deixa ficar a música...
Aquelas frases
Sem razão, sem lógica.
Deixa ficar o aroma
Do perfume que trazes.
Deixa ficar o idioma
Que aprendi de ti envolta,
De ouvido em ouvido encostar,
De nariz no ar.
Sem guerra, sem ódio, sem revolta...

adc

setembro 04, 2007

Coccinella septempunctata


Joaninha perdeu-se no vôo
Voando sem destino, sem companhia
Só de asas e sem motor.
Joaninha perdeu-se de amor
Não é elegante como a borboleta
É pequena, redonda e bicolor.
Joaninha voou bem alto
Sem avião, sem avioneta.
Voou formosa, curiosa, pelo verde inquieta.
Joaninha de duas cores,
Preto da sombra em que se esconde,
Vermelho sangue de mágoa ou paixão.
Joaninha perdeu-se no verde
Por outras pintas encantada,
De boa sorte esperançada
Esvoaçou atrás de um pulgão.
Joaninha, na voz de uma criança é cantarolada
Sempre que pousa na sua mão.
Suas sete manchas pretas
São sete tranças perfeitas
De negro exterior e brilho encantador.
Dois pares de asas:
Umas apenas as expõe se segura sentir sua alma,
Asas transparentes de fino papel onde regista sua afeição,
Outras duas asas são a capa que distrai, ilude, encanta, enfeita e
Por outro lado, a protege e a esconde da vida imperfeita.
Joaninha é inofensiva, protectora dos jardins,
bela, silenciosa e outros adjectivos afins,
hiberna até que o tempo se torne acolhedor, quentinho, luminoso...
Primavera, tempo de amor.
De metamorfoses sua vida se compõe
larva, ninfa, escaravelho, pequeno insecto voador
raro brinquedo de criança.
Joaninha voa, voa
Vai procurar o teu amor
Nunca percas a esperança.

adc

setembro 01, 2007

Tudo o que é preciso para viver



Esqueci o tempo que nos foi comum como se um derrame enevoasse, no meu cérebro, a luz do filme passado.
Procuro recordar-te com imagens nítidas e coloridas, mas o álbum é antigo e o cinzento domina, dissipando-se a nitidez quanto maior é a saudade de ti.
Encontro apenas palavras avulso que leio de páginas desbotadas da minha mente. Já nem conheço quem as tenha registado.
Anseio ouvir o timbre da tua voz em casa, numa rua qualquer (deste local que escolheste para viver) em que já não me lembro se ouvi...
Esqueci o som da tua voz que me esforcei tanto por gravar, porém as formas de registar o som são já tão distantes das usadas e conhecidas por ti.

Procuro os teus olhos iguais aos meus, com a mesma luz, com a mesma cor, mas não basta olhar-me ao espelho.
Encontro, neste tumulto, apenas lágrima e saudade da segurança do teu colo, do teu embalar.

Anseio que chegues para conseguir finalmente adormecer e ser capaz de acordar quando tu acordares, para me despedir (só por mais um dia).

Se não chegares, tenho que crescer, cuidar de todos e não posso adormecer.
Na tua ausência, não voltarei a brincar, a falar, a sorrir demasiado, tenho que me concentrar e ser responsável para te poder voltar a ver.
Assim, não confio em mais ninguém porque é contigo que eu quero aprender, arriscar e brincar.

Aguardo que voltes e me dês a mão para atravessar a estrada, me ponhas às cavalitas, me dês um doce, me eleves no ar, me chames todos os diminutivos, me adormeças na tua segurança.

Chhhhh....! Não posso conversar sobre ti, porque não quero magoá-los com a saudade que também sentem. Não posso falar de ti porque não chorei todo o mar que devia. Não posso esquecer-te porque sou parte de ti.

Permanece em mim, segreda-me o caminho.
É importante que voltes, quero ser a criança que perdi e ainda não me ensinaste tudo o que é preciso para viver.



adc