novembro 09, 2022

Que histórias encerram essas pedras? 
Percorri-as sem destino, assim. 
Evitei-as sem mais e fiquei sem saber de mim. 
Marquei ou passei sem rasto.
Pertencer-lhes, não pertencer? 
Ser a história, ser espetador? 
Olho no olho, não saber que pisar. 
E fico pelo caminho, não as piso, não sou dessas ruas, não sou de pedra. 

Percorri-as de saltos, fui leve e deixei-me demorar. 
Evitei-as, não me permito um deslize e escorregar.
Marquei-as, corri sem nada derrubar, aí apenas um instante estar. 
Fiquei, não me trouxe completa. 
E fico pelo caminho, não as piso, não sou dessas ruas, não sou de pedra. 

Dividi-me em dúvidas, coleções e pertences... passado e futuro. 
Partilhei-me e perdi-me. 
Evitei e fui a solo, no doce e no duro. 
Marquei-as e rasguei-me em presença. 
Pertencer-lhes ou não pertencer à cidade? 
Ser presente ou inconstante na entrega?
Olho e vejo a beleza, o desgaste, o instante. 
E fico pelo caminho, não as piso, não sou dessas ruas, não sou de pedra. 

Percorrê-las descalça, sem defesa e de ingénua intensidade. 
Não me permito a perfeição, a harmonia. 
A minha alma não se regista nessas pedras. 
Conquistar, marcar, registar em luta incessante. 
E fico pelo caminho, não as piso, não sou dessas ruas, não sou de pedra. 

Que histórias permitem essas pedras?

novembro 08, 2016

Precisaria do dobro do tempo para viver o virtual e a vida
com a virtuosidade desejada e exigida.
Talvez me desdobre, me amarrote, me amasse e torne presente.
Quem sabe conseguir cumprir e ficar ou permanecer ausente.

julho 19, 2009

Tus Manos


Cuando tus manos salen,
y amor, hacia las mías,
qué me traen volando?
Por qué se detuvieron en mi boca,
de pronto,
por qué las reconozco
como si entonces antes,
las hubiera tocado,
como si antes de ser
hubieran recorrido
mi frente, mi cintura?

Su suavidad venía
volando sobre el tiempo,
sobre el mar, sobre el humo,
sobre la primavera,
y cuando tú pusiste
tus manos en mi pecho,
reconocí esas alas
de paloma dorada,
reconocí esa greda
y ese color de trigo.

Los años de mi vida
yo caminé buscándolas.
Subí las escaleras,
crucé los arrecifes,
me llevaron los trenes,
las aguas me trajeron,
y en la piel de las uvas
me pareció tocarte.
La madera de pronto
me trajo tu contacto,
la almendra me anunciaba
tu suavidad secreta,
hasta que se cerraron
tus manos en mi pecho
y allí como dos alas
terminaron su viaje.

Pablo Neruda

junho 20, 2009

Como andas?

Ando
umas vezes salto
outras corro
ou caminho sem pressa em ondas de confiança
colleccionando sensações
de mão dada a uma criança
também tropeço frequentemente
remato pedras
percorro passeios sem passear
passeio-me nos dias que me atropelam
torço o tornozelo
desequilibro-me na paisagem
ora ando por andar, ora passeio a sorrir, a cantar
frequentemente vôo ao sabor das emoções
de asa partida descrente
contra o vento
em vôo picado
flutuando na espuma do rebentamento...
E tu como andas?

adc

maio 26, 2009

Quase um poema de amor

Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor

Miguel Torga

abril 22, 2009

Liberdade

A liberdade
é um menino
de todas as cores.

A liberdade
é um guarda-chuva
a apanhar sol.

A liberdade
é um malmequer
a perfumar a própria sombra.

A liberdade
é uma baía
onde mora a poesia.

A liberdade
é uma andorinha
a desenhar a Primavera.

A liberdade
é ter asas e saber
voar com elas, através das janelas.

A liberdade
é a última coisa
que se pode perder.

José Jorge Letria

março 09, 2009

Beijo...
aconchego
confiança
salto em queda livre.

adc

janeiro 26, 2009

Ilumina o céu nocturno, o céu limpo.
Altera o meu ritmo, rodeia-me e persegue-me.
Exibe sempre a mesma face, a mesma expressão.
Pronuncia-se e sorri conforme o humor.
Inquieta-me nessa luz emprestada e rouba-me a segurança da sombra.
Desprotegida provoca, atrai... Inventa marés.
Uma face oculta brilha sem ser olhada.
Vou repousar nesse mar de tranquilidade... Cabeça na lua e molhar os pés.

adc

janeiro 19, 2009

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?
Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir.
Para quê?... Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria... Ah, com que esmola a aquecerei?...


Fernando Pessoa

janeiro 08, 2009

Vidro, areia, água, pedra, papel...
Desenho em vidro embaciado
Piso areia molhada
Gravo na água condensada
Ilustro a espera!
Inteiro ou rasgado
Qualquer papel
A lápis de cor, já gasto
Lápis derretido de cera
Pingam gotas do pincel
Provoca, agita, respira
Giz risca a pedra de ardósia
Apaga o negro do fundo
Marco presença a têmpera, guache e aguarela
Rasgo de cor olhares do Mundo
A vida é bela!

adc

dezembro 26, 2008

Castelo


É de areia,
Dura apenas uma maré
O teu castelo.
É de areia
Sem amor, sem fé
A tua vontade.
É de areia
Quente e dourada
De vento soprada.
É de areias
Salgadas e desmoronadas
Já sem torres, sem ameias.
É de areias,
Conchas e seixos
Sem vida, só desejos.
É de areia
O castelo
Onde habita a tua sereia.

adc

outubro 30, 2008

Vôo

Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam.
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas, as palavras voam.
Voam as palavras como águias imensas. Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! Alto e baixo em círculos e rectas acima de nós, em redor de nós as palavras voam. E às vezes pousam.

Cecília Meireles

setembro 03, 2008


Grãos de areia, um mar de palavras para te contar mas é quase maré vazia e eu jamais to diria que a cada sorriso me perco no teu sal.
Forço os sentidos a reunirem todas as sensações sem olhar, ouvir, cheirar, tocar, saborear...
Um mar de palavras naufragam pouco a pouco na distância, no tempo que passa, na profundidade sem luz, sem ar e sem espaço.
Apenas os grãos de areia me vão sustentando, preenchendo os espaços da teia, da história entrelaçada do viver e esperar nada.
Maré vazia de coragem e já sem pé..
Maré cheia de certeza a cada suster de respiração.
Ondas de frequência incerta rebentam no meu coração e um mar de palavras enrola-se na areia, silenciando a minha canção.


adc

junho 18, 2008

Fita

Guita pendura, amarra, ata pouco bonita
Não escapo entre nó cativa.
Consistente assim, forte fita de nastro,
Me apresento à luz de cuidados, coerente.
Atilho de vestido não é somente decorativo ou enfeite colorido,
Atracção atada do olhar à lua, de átomo a astro.
Fita de cetim de excessivo fulgor, exagerada ousadia,
Compõe laço no cabelo impedido de esvoaçar e reflectir a luz do dia.
Fita de seda ou organza adorna o pulso,
Segura tesouro com confiança ou simples missanga,
Conforme o desafio inesperado, apetecido
Brilhante, suave, delicada
Guita, fita, cordão umbilical que liga mundos, emoções, planos, dimensões
De energia, pele, impressões…
Amarrada, laçada ou livre, esvoaçante guita, atilho, tira, cordel… uma fita.

adc

maio 28, 2008

Olhares

Olhares frios, amedrontados, olhares tristes e envergonhados
Olhares tantos e tantos olhares…
Há sede de olhares!
Olhares azuis, verdes ou castanhos, não interessa a cor, raça ou sequer tamanhos!
Olhares…
Olhares que observam alguém, que se cruzam, olhares que se admiram e se criticam também.
Olhares que ambicionam, olhares que perturbam, que penetram e olhares que te rasgam.
Há imensos olhares passageiros… sinto sede de olhares, olhares verdadeiros!
Olhares que saciam e satisfazem.
Quero mais e melhores olhares…
Aliás quero um olhar! Um olhar intenso, olhar real. Um olhar que aqueça, olhar que estremeça e me adormeça…
Não sei onde ele está! Olho em redor, olho em diante… estará assim tão distante? Quero esse olhar sincero… Onde pairam os olhares?

Andreia Peres